Mulher e num cargo de liderança? Sim! - Entrevista

Ainda existem "lugares de homem"? Ao que uma mulher tem que se submeter numa posição de liderança? Rita Silva (nome fictício) conta-nos nesta entrevista.

Vou começar com uma pergunta muito genérica, mas como é ser uma mulher num cargo de liderança?

É entusiasmante. É muito desafiante, obviamente. E por muito que nós estejamos num tempo moderno, em que já vemos uma evolução tremenda na forma como as mulheres em cargos de liderança são tratadas, continuam a existir vários estigmas. Então eu tenho um misto de sensações e de sentimentos relativamente a esta questão. Porque o meu sonho sempre foi gerir pessoas – eu descobri isso e fui para a faculdade tirar Gestão propositadamente. Eu queria, de facto, poder ajudar os outros a crescer. No entanto, tenho sentido, ao longo da minha carreira, que acabamos por ter sempre um grande estigma em cima, e uma grande responsabilidade, porque temos que ser o exemplo para as outras mulheres – para que elas tenham força para chegar também a estes patamares, mas ao mesmo tempo lidar com muito machismo que existe dentro do mundo empresarial. Existe o assédio, às vezes um assédio claro, outro dissimulado, e existe o preconceito. Existe muito preconceito, infelizmente, de mulher para mulher, o que me deixa um pouco triste, mas é verdade. Mas é muito bom também, o poder ser o exemplo, o poder representar o meu género, a minha pessoa, as minhas colegas, as profissionais que eu vejo, super competentes, que merecem chefiar também, estar em posições de liderança.

A que estigmas te referes? Quais foram as principais dificuldades que enfrentaste? E quais são também os outros pontos positivos?

Os estigmas são vários. Se eu falar um pouco mais alto, eu estou automaticamente irritada, o que não é necessariamente real, ou sou emotiva. Quando um colega na mesma hierarquia que eu, com a mesma posição que eu, faz o mesmo, é aceite, é bem visto, ele está simplesmente a vociferar as suas preocupações, ou é uma pessoa apaixonada pelo seu trabalho. Já eu sou considerada, por ser mulher, emocional. O que não faz sentido nenhum. Por ser mulher, se calhar não vou ter uma capacidade analítica tão desenvolvida como a do homem… Aliás, quando chegava a altura de apresentar relatórios, em que eu apresentava relatórios com dados, ao lado de um colega homem, era sempre ao homem que dirigiam a palavra. Aquando de um projeto desenvolvido entre mim e um colega homem, tentarem sempre falar com o homem em primeiro lugar. Há muito mansplaining, como se precisassem de explicar-me as coisas e eu não soubesse. 

Os pontos positivos… É o ter chegado lá. É o facto de já estarmos numa época da nossa vida em que eu consegui, em tenra idade – apesar de ser mulher, jovem e independentemente do meu aspeto físico, eu cheguei lá. E se formos pensar, se calhar há 20 anos isto não acontecia. Era de outra forma. Tinha que ser porque eu me tinha subjugado a alguém, seja de uma forma emocional, ou de uma forma física. E sendo cru e nu, nós sabemos que existe muito o ditado do “cresceu na horizontal” e isso surgiu de algum lado, infelizmente. Porque houve abusos! Esse é outro estigma. Sempre que vou crescendo é porque, em princípio, dormi com alguém, coisa que não é real. A parte positiva é também quando isso não acontece, e és valorizada pelo teu trabalho, pelas tuas competências, por aquilo que entregas, pelo teu valor, e acho que isso é o mais bonito neste crescimento e nestas alterações que estamos a sentir nos novos tempos.

Mesmo estando numa posição de liderança, alguma vez te sentiste "na sombra" de um homem?

Não. Nunca me senti na sombra de um homem. Porque, honestamente, eu sei aquilo que sou capaz de fazer. Agora, se me perguntares se houve muitos homens que acabaram por tentar colocar-me em segundo plano para se valorizarem a eles mesmos, porque precisavam daquele boost no ego, sim. Houve vários. E obviamente que não cheguei à posição que cheguei sem perceber isso, e sem deixar que isso acontecesse de vez em quando. Porque é uma tática, e foi uma tática que já tive que usar algumas vezes. Ou seja, apesar de ser par com um colega homem, esse colega homem, para se sentir bem, e para que o nosso trabalho corresse bem, precisava de ser o cabeça de cartaz, e eu deixava – e passava a ser tipo o backup. Aquele que se calhar faz com que tudo aconteça, não está ali na spotlight, mas nunca me preocupei. Porque acho que nós podemos sempre crescer juntos e se ele crescesse, eu crescia. Então, tudo tranquilo, desde que não me roubasse os louros. Na sombra de alguém, nunca me senti.

Alguma vez a possibilidade de engravidares te foi apresentada como um obstáculo no meio profissional?

Não. Essa questão nunca foi apresentada. Acho que nem nunca foi tema, nunca ninguém sequer me colocou essa questão. Nunca ninguém fez a conversa se tenho filhos, se não tenho filhos, se eu pensava engravidar. Por isso, nunca foi fator.

A teu ver, é importante existirem mais mulheres em posições de liderança? Porquê?

Claro, é sempre importante. E acho que devem existir, porque há muitas mulheres, com muita capacidade, que devem chegar a esses patamares. Agora, ser para cumprir um número, também não acho certo. Se é para ter um cargo, a pessoa tem que ter esse mérito. Independentemente se for mulher ou homem. Por isso, sim. Temos que ter mais mulher em posições de liderança, essas oportunidades têm que surgir e têm que abrir esse espaço. No entanto, o que eu não quero ver a acontecer no futuro é o termos de puxar uma quota, uma percentagem.

Porque é que achas que a questão da quota pode ser prejudicial?

Sinceramente, porque às vezes eu vejo pessoas a crescerem sem mérito. E é disso que eu tenho medo. Eu não quero nunca que se suba devido à quota. Eu acho que a quota é importante, acho que é importante que tenhamos um balanço entre homens e mulheres, mas o único receio que eu tenho é: estão a acabar os prazos e os Recursos Humanos têm que fechar a quota, então vão subir as pessoas por subir, sem terem mérito. Isso, eu não concordo com isso. Mas se a quota ajudar pessoas com mérito a crescer, bora lá! É isso que eu quero também.

Que conselhos gostarias de dar a outras mulheres em cargos de poder, que tenham passado pelas mesmas dificuldades que tu?

 Sejam vocês mesmas, acreditem em, vocês e deem tudo o que têm a dar. Para não passarem necessariamente as coisas que eu passei é, talvez, respirar, parar, pensar e só depois falar. Deixar que os outros falem primeiro. Ouvir! E depois, sim. Darmos a nossa opinião, a nossa solução e acrescentar valor. Quando somos as primeiras a falar, talvez não sejamos bem interpretadas. Mas força! Acreditarem em vocês mesmas e terem sempre muito rigor, profissionalismo, e bola p’rá frente!

Também posso dizer: procurarem uma empresa que acredite na igualdade de direito, e não se contentarem em estar numa empresa que, na realidade, não demonstra ser isso. Por isso, se não se sentem valorizadas como profissionais, procurem. Porque existem oportunidades no mercado de trabalho, é só mesmo explorar e ter a coragem de arriscar.

Comentários