Ativismo, Homofobia e o projeto #NÃOMECALAS - Wolf - Entrevista

Wolf é uma pessoa não-binária e ativista pelos Direitos LGBTQIA+. Saiu do armário aos 11 anos, e com o passar do tempo percebeu a necessidade de criar o espaço #NÃOMECALAS. Nesta entrevista falamos de homofobia, ativismo, e sobre como podemos apoiar um espaço que se tem tornado tão importante dentro da Comunidade.

Fala-me um pouco de ti primeiro. Li no espaço #nãomecalas que saíste do armário aos 11 anos. Como foi para ti essa descoberta?

Para mim sempre foi algo muito natural. Não tinha na cabeça que deveria apaixonar-me por um homem ou por uma mulher. Eu com 10 anos já sentia algo por mulheres, mas não sabia como definir isso. Apenas fluiu naturalmente. Mais tarde quando me apaixonei por uma rapariga e assumi isso perante a minha família é que percebi que aquilo que eu achava que era normal, a sociedade, incluindo a minha família, achava isso uma coisa de outro mundo, algo visto como doença ou anormal. E a partir desse momento, as coisas ficaram muito difíceis para mim.

 Foi difícil gerires as reações e expectativas das pessoas que te eram próximas?

Foi sim. As coisas em casa começaram a descontrolar-se. Senti que deixaram de me amar de um dia para outro. Começaram os insultos, a Homofobia, a manipulação e violência psicológica. Com 11 anos, tu esperas encontrar um porto seguro em casa e não um lugar onde sentes que não és bem vinde. O meu psicológico ficou de tal forma abalado que mais tarde acabei por ter uma depressão, ansiedade, comportamentos autodestrutivos e tentativa de suicídio. Aquilo que senti foi que o mundo não me queria. Acho que um pai e uma mãe não têm noção do quanto o abandono parental, a rejeição familiar, tem impacto na vida de quem colocam no mundo.

Neste momento essa relação com a tua família está equilibrada, ou não existe?

Não falo com o meu pai há alguns anos. Dei muitas oportunidades. Mas quando não existe amor, não há forma de o colocar dentro dos corações das pessoas. Independentemente se é família ou não. Com a minha mãe, vou mantendo uma relação de forma a que não interfira na minha saúde mental, de forma a que seja saudável para mim. Mas ela respeita e eu posso viver com o respeito dela. Desde que não interfira no meu bem estar. Eu costumo até dizer que o amor que eu não recebi, eu tenho dentro do meu coração para dar.

Sobre o teu ativismo, quando percebeste que era preciso teres uma voz ativa de e para a comunidade LGBTQIA+?

Sempre tive uma personalidade que defende a justiça. Lembro-me que já com esta situação toda de os meus pais não me aceitarem, eu sentia que eles não estavam a ser corretos comigo. Eu sentia que a educação deles não era certa e, por isso, as minhas revoltas, a minha posição foram sempre muito marcantes. Por isso, eu posso dizer que desde sempre senti que era necessário fazer algo. Talvez o que me fez o "clique" para ser ativista, foi sentir que não queria que mais ninguém passasse pelo que eu passei. Ninguém merece ter a sua existência anulada por quem quem é.

 E o espaço #nãomecalas, o que é? Que trabalho desenvolve?

O Projeto #NÃOMECALAS nasceu para dar voz a todas as pessoas que não a têm. A sociedade força-nos constantemente a ser o que ela acha que é padrão e condena tudo o que para ela não é dito como "normal". Querem silenciar e tornar invisível a coragem de sermos quem somos, em pleno.

O Espaço #NÃOMECALAS é uma consequência desse projeto que veio para ser um apoio para jovens e pessoas LGBTQIA+ que não encontram um lugar seguro, que estão a passar por fases complicadas ou que se encontram com dúvidas sobre a sua sexualidade. Quero dar às pessoas um lugar seguro, alguém em quem confiar e dar-lhes uma perspetiva diferente daquela que elas têm (que a maior parte das vezes é muito negativa).

E como é que as pessoas encontram essa ajuda? Aconselhamento, apoio psicológico?

Basta enviar mensagem privada para falar connosco no Instagram. Somos pessoas que se voluntariam para conversar. Quando achamos que a pessoa precisa de orientação de um profissional de saúde mental, aconselhamos a que procure uma pessoa profissional. Já ajudámos algumas pessoas a encontrar profissionais. Deixamos sempre bem claro desde o início que não falamos sobre medicações, não fazemos terapia. Somos pessoas voluntárias, dispostas a ajudar, a dar uma perspetiva diferente sobre as fases menos boas. Somos pessoas com experiências, por vezes, muito semelhantes aos pedidos de socorro que nos chegam também.

 Como podemos apoiar esse espaço?

Para apoiar, podem fazer doações ou comprar os produtos que estão na minha loja online. O objetivo é tornar numa Associação oficial e, mais tarde, um abrigo para pessoas LGBTQIA+ expulsas de casa ou que vivem num ambiente extremamente homofóbico.

É necessário existirem mais espaços seguros online e mais pessoas que sejam vocais em relação a estas questões? Porquê?

Olha, eu acho que existir, existem muitos. A questão é que a maioria fica-se apenas por ser online. Uma voz ativa tem de ser dentro e fora das redes sociais ou online. Em relação a ser um espaço seguro, acho que a maioria não leva a sério o facto de ajudar outras pessoas. Nem todas as pessoas têm paciência e amor por ajudar alguém.

 Sentes que a comunidade LGBTQIA+ é um safespace em si? Porquê?

Não. Sinto que existe muito preconceito dentro da comunidade e ele precisa de ser combatido com a maior urgência possível. Não podemos pedir respeito às pessoas de fora se não o temos cá dentro. A transformação começa de dentro para fora. Não faz sentido uma comunidade que é oprimida, oprimir pessoas dessa mesma comunidade. Assim as coisas tornam-se muito mais difíceis de mudar, de ser melhor. Está na hora de nos unirmos como pessoas. Esta é a hora.

 Que mensagem gostarias de deixar a jovens LGBTQIA+ que possam estar a sofrer de violência, bullying, ou mesmo que tenham sido colocados de parte pelas suas famílias e amigos?

Eu entendo que neste momento possas achar que o mundo está a desabar, que não existe solução ou que talvez tenhas esse sentimento de "quero desaparecer". Mas estou aqui para te dizer que é possível darmos a volta e que vai haver um momento na tua vida em que vais poder voar com as tuas próprias asas, vais poder ser tu mesme. A maioria das pessoas LGBTQIA+ já esteve num lugar muito semelhante ao teu, tal como eu. Constrói a tua independência, passo a passo. Mantém isso na tua mente e vai ajudar-te a lidar com obstáculos. Tu não és um erro, não és um problema. Tu és suficiente. E eu amo-te incondicionalmente.

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ESPAÇO #NÃOMECALAS:

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