Pandemia, Isolamento, Saúde Mental - As soluções da rumo.solutions - Carolina Borges, Psicóloga Clínica - Entrevista

Carolina Borges é Psicóloga Clínica e da Saúde, e frequenta o último ano da Formação para Psicoterapeuta em Terapia Gestalt. É co-fundadora da rumo.solutions, coletivo de psicólogos e especialistas, online em mais de 17 países. Nesta entrevista falamos de pandemia, isolamento, saúde mental, e do trabalho desenvolvido pela rumo.



Fala-me um pouco do trabalho desenvolvido na Rumo.

A ideia começou a surgir em 2015 e começámos a prepará-la porque, tanto eu, como o meu colega, estivemos fora do país. Percebemos que não havia uma resposta para malta portuguesa que estivesse fora e que quisesse encontrar um psicólogo, um espaço para conversar. Claro que existem, e sempre existiram, pessoas individuais, mas não havia propriamente um coletivo orientado para a temática da migração, no caso de psicoterapia de apoio online. Portanto, foi isso que motivou um bocadinho o nosso percurso. Começámos oficialmente no final de 2016. Em 2017 começámos a fazer os atendimentos online, maioritariamente a imigrantes e com muito foco também na comunidade académica, porque temos algumas parcerias com universidades. Mas o apoio é dado a qualquer pessoa que procure a opção online.

Com a pandemia, no ano passado, começámos a receber mais pedidos, então neste momento já prestamos serviços em cerca de 18 países. Para além do apoio online 1 to 1, também temos a sensibilização através das redes sociais, pelo blog, a newsletter, e tentamos de alguma forma fazer este trabalho de promoção e de sensibilização para a saúde mental.

Paralelamente, temos projetos com outras entidades, para dar apoio aos beneficiários desses programas, e também empresas, outras instituições, onde também fazemos essa prestação de serviços.

É importante também reforçar a inovação, porque até à chegada da pandemia, isto da psicologia online ainda não era muito reconhecido, então nós em 2018 já tínhamos feito alguma investigação, e apresentámos essa investigação em alguns congressos e conferências. E na sequência desse trabalho fomos reconhecidos pela Comissão Europeia, e recebemos um prémio de Impacto Social.


Referes que os pedidos de apoio aumentaram durante a pandemia. Que causas vês para isso ter acontecido?

Diria que, acima de tudo, as pessoas perceberam que a saúde mental é importante e que não tem que haver estigma nem preconceito para falarmos sobre ela e, nesta lógica, que todos nós temos saúde mental. Todos nós, em determinado momento, podemos ter alguns desafios nesse sentido. Parece-me que a pandemia veio trazer a incerteza, a ansiedade, a dúvida – todas essas coisas naturais do momento de crise e de catástrofe, até. Imagino que isso ajudou a que as pessoas se mobilizassem. Diria que as pessoas estão mais sensíveis e disponíveis para cuidarem de si de outra forma, sem tanto estigma e sem tanta vergonha por não estarem bem. E claro que as pessoas que já tinham alguns desafios, eventualmente isso também foi potenciado. Então se antes se calhar não doía muito, agora dói mais.

Vamos ver se esta importância continua a ser dada quando isto melhorar. Tenho algumas dúvidas se isto da saúde mental é só um “hot topic” e se fica bem falar, ou se a importância deste tema veio para ficar.

Para pessoas que já enfrentavam alguns problemas de saúde mental, como referiste, esses “desafios, que impacto existiu? Refiro-me a quem já sofria de psicopatologias como ansiedade e depressão.

Para quem já tinha desafios e questões de psicopatologia, claro que foi potenciado. E aqui, claro que temos sempre algumas vertentes: podemos olhar isto pelo que a literatura vai dizendo, ou de uma forma mais subjetiva, também pela experiência clínica. Por exemplo, dois casos diferentes: pessoas a quem, se calhar, a ansiedade aumentou, e ficaram mais agitadas, eventualmente com mais medo até do próprio contagio, mais paranoicas, enfim… Ou, por exemplo, pessoas que até diminuíram a ansiedade porque o contexto ficou mais ansioso. Ou seja, Para alguém que se calhar sempre esteve mais preocupado com questões de higiene, o facto de todos nós, a nível global, estarmos mais atentos a essas questões da higiene, do álcool, do desinfetar, etc., ajudou-os na sensação de ansiedade – porque, em comparação, o próprio sistema está todo mais ansioso. Por isso há aqui várias formas de explorarmos isto.

Mas claro que o impacto existe. E claro que hoje, passado um ano e tal disto tudo, estamos todos mais cansados, exaustos, com a chamada fadiga da pandemia, que traz também essas consequências. Porque durante muito tempo, em Portugal, o facto de estarmos sempre com as notícias, e haver muito essa exploração dos números, o número de infetados, o número disto, o número daquilo, acabou por dessensibilizar um bocadinho a população. Por isso aqui temos outra questão, que é o facto de as pessoas começarem a ver aqueles números só como números, e isso torna as coisas mais distantes também. Esquecemo-nos, se calhar, que aqueles números são vidas de pessoas. Isso contribui para aqueles momentos de despreocupação, pouca responsabilidade… Porque as pessoas estão cansadas.


Falando agora especificamente do teletrabalho – a teu ver, a não separação entre espaço de trabalho e de lazer, pode trazer consequências nocivas?

O teletrabalho pode ser obviamente nocivo. Isto é tudo muito subjetivo, mesmo. Acho que há tantas formas e tantas experiências… É super diferente alguém que more sozinho, alguém que divida casa com colegas, alguém que more com os pais ainda, alguém que tenha filhos… Há pessoas que não têm sequer condições de estar em casa a trabalhar. Há aqui uma série de variáveis. Há quem nem tenha acesso a habitação. Infelizmente, parece-me que existem vários direitos fundamentais que não são respeitados globalmente. Mas com base na tua pergunta, não haver esta separação trabalho, lazer e descanso vai ser prejudicial para a saúde mental.

Portanto é muito importante ter as condições ideais, ter até um espaço diferente da casa onde se possa trabalhar, um escritório, alguma área para isso. É super fundamental termos um espaço dedicado ao trabalho e que de alguma forma haja mesmo uma rotina – não apenas no sentido de trabalharmos, porque com o teletrabalho muitas pessoas ainda trabalham mais.

Acima de tudo é importante manter horários definidos, porque não é por trabalharmos muitas horas que estamos a ser muito produtivos. É importante termos o tempo definido para o descanso, para o lazer e para o trabalho. Fora a atividade física, como forma de libertar o stress, o movimento do corpo. Práticas desde escrever, pintar, o cozinhar… Coisas que nos coloquem em contacto intrapessoal. Quanto mais planeados e organizados estivermos, menos será um foco de stress.


Noto que nas redes sociais existe quase uma pressão para sermos produtivos nesta fase – ler, escrever, fazer exercício, cozinhar – parece que toda a gente tem que estar ocupada e não pode haver espaço para estarmos “dormentes”. O que pensas disso?

Ótima questão. Devolvo também para te fazer pensar, se de alguma forma não é o facto de estarmos mais online que nos deixa efetivamente dormentes, e não o contrário. Ou seja, ali é um mini organismo que é alimentado, então nesse sentido acho que cada pessoa tem mesmo que perceber quais são os seus limites e perceber qual é a sua necessidade. Porque a verdade é que se nos centramos na comparação, isso vai trazer sofrimento, vai trazer dor. Porque se nos comparamos é porque temos uma medida de comparação, e se nos estamos a comparar a outras pessoas vai ser sempre injusto, exatamente porque temos experiências e porque somos pessoas diferentes.

Sobre a questão da produtividade… Eu acho que efetivamente muitas pessoas são muito produtivas e se calhar não reconhecem o quão produtivas são. Por isso, de alguma forma, não sei até que ponto é que tantas vezes, o estar tanto online e tão dependente desse estímulo, não tornará isto mais “dormente”.

Mas há pouco espaço para estarmos desocupados, há pouco espaço só para “estar”, só para contemplar, só para observar. Aí temos que ir negociando, tentar diminuir a autocrítica, sermos mais bondosos connosco próprios e reconhecermos aquilo que tanto fazemos. Acima de tudo, reconhecer a necessidade. Se não me apetece ler nem cozinhar, se calhar é porque não preciso de o fazer. Agora, fazer só porque todos fazem, não vai ser satisfatório, porque não estou a fazer porque quero, mas porque devo.

Que conselho gostarias de deixar a quem não está a conseguir lidar com o dever de recolhimento?

Coisas importantes: pensar que é uma questão temporária – nesta lógica de, não sabemos quando vai passar, mas passa. No limite, tudo passa. Então, de alguma forma, esta capacidade de vivermos um dia de cada vez e, muitas vezes, sim, isto é o difícil! Porque é neste espaço entre o hoje e o amanhã que a ansiedade surge. Mas acima de tudo, uma das formas é não perder a interação social. Okay, temos que estar distantes, temos que estar em casa, não podemos estar em comunidade, mas é de uma forma diferente – então é nesta lógica de não perdermos a interação social positiva.

Estarmos disponíveis e presentes para as nossas pessoas. Se vamos à farmácia ou ao supermercado podemos sorrir com os olhos, podemos dizer “bom dia” e “boa tarde”, não deixa de ser uma interação social. Nesse sentido, garantir ao nosso cérebro que podemos confiar e que o mundo também é um lugar seguro e que nem toda a gente é má ou intragável.

O afeto também é importante. O riso, rir muito. E de alguma forma, esta disponibilidade para estarmos com as emoções, de sabermos reconhecer, identificar e perceber como é que impactam. Porque o stress e a ansiedade vão estar sempre presentes na nossa vida. E o medo é uma emoção inata e faz parte, e ainda bem! Porque é também o que nos protege.

Muitas vezes o problema não é o stress, mas sim as estratégias que nós temos, ou não temos, para lidar com o stress. Então, é importante ter esta ideia de que o stress por si não vai fazer mal, mas sim o ficarmos encurralados. O complicado é quando sentimos que estamos presos e estamos ali no mesmo loop. Então é sempre muito mais a forma como nós nos relacionamos com isso. É importante perceber isso, e perceber o nosso corpo, porque ele está a comunicar alguma coisa que, muitas vezes, ainda não temos propriamente consciência. Se calhar não vale a pena querermos saber a origem, mas sim focarmo-nos em como as coisas impactam o nosso dia-a-dia.

Todos nós estamos a viver, de uma forma ou de outra, a questão da pandemia, então de alguma forma o lugar em si não está seguro, mas eu posso sentir-me bem, nesta lógica de fluir entre os vários estados.

Mas o principal conselho é: não se isolem! Procurem movimento, tudo o que traga movimento. A prática de exercício físico aqui é fundamental porque tem sempre esta lógica de ajudar o nosso corpo a movimentar todas estas diferenças que podemos sentir ao longo do dia.

E foco no descanso. As pessoas têm que descansar! Não temos que justificar porque é que descansamos. Não é esperado dormirmos pouco e termos imensa produção, isso está errado! 

No geral, e não só em tempos de pandemia, achas que o acompanhamento psicológico é acessível a toda a gente, ou ainda é “para quem tem dinheiro”? Achas que ainda existe caminho a percorrer neste sentido?

Ui! Com certeza! Infelizmente, o acesso é realmente um dos grandes problemas. O acesso geral até aos cuidados de saúde. Neste sentido, infelizmente, não é algo que esteja disponível para qualquer pessoa, exatamente porque mesmo no SNS os recursos não são muitos. Há poucos psicólogos nos centros de saúde, para cuidados primários. Algo que foi muito positivo com esta questão da pandemia, foi exatamente a mobilização para a linha do acompanhamento psicológico gratuita e esperemos que continue. Mas é um serviço pontual, de emergência. Doutra forma, com o boom da Internet e do apoio online, acho que há muitas pessoas que podem conseguir descobrir o seu psicólogo online. Também existem algumas associações que têm valores mais sociais, mais simbólicos. Mas com certeza que é ainda aqui um longo caminho a percorrer. Tanto a nível social, como político. É mesmo uma questão biopsicosocial. Claro que quem tem mais disponibilidade financeira, vai ter um acesso privilegiado.

Nós, na Rumo, tentamos contrabalançar um bocadinho isto, temos disponibilidade para algumas sessões pro bono, a primeira consulta é gratuita, tentamos dar uma resposta mais prática, para a pessoa conseguir perceber se pode beneficiar ou não do acompanhamento. Qualquer pessoa pode beneficiar do acompanhamento.

Mas a questão do acesso é um dos grandes problemas, com o estigma também associado, mesmo nas próprias empresas.

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