Queer parties e Cultura Drag - A ocupação de espaços noturnos pela Comunidade LGBTQIA+ - Diogo Rivers - Entrevista

 Diogo Rivers é Magda Deneuve, Drag Queen e DJ. Nesta entrevista falamos sobre a Cultura Drag em Portugal e ocupação de espaços noturnos pela Comunidade LGBTQIA+.


Fala-me um pouco da tua experiência em espaços noturnos LGBT.

Não existem espaços noturnos LGBT. Pelo menos não em Coimbra, onde sou DJ - o que existem são espaços que temporariamente são ocupados por nós, isolados num dia específico, quase como que em contrato com a noite queerfóbica de Coimbra - e dentro mesmo desses espaços a experiência é volátil. É boa, mas não deixa de ser má ao mesmo tempo. É um impasse infraestrutura.

Era importante existirem esses espaços? Porquê?

Acho que a importância é relativa, porque temos de ter em consideração o contexto onde eles se inserem. Sim, é importante que esses espaços existam, sejam noturnos ou diurnos. Mas também é importante, mais do que isso, que a existência desses espaços seja segura, e que não seja acessória à narrativa de progresso autárquica, e que nos permitam criar esses espaços nós, sem terem corpos normativos a darem-nos as regras. No fundo, a importância existe, claro, mas acaba por ser relativa ao que consideramos que ganhamos com isso. Estamos a criar postos de trabalho? Conseguimos garantir a segurança de todes envolvides? Onde é que fazemos esse espaço? É tudo muito complicado de responder.

Muitas vezes a existência desses espaços tornam alvos de crimes de ódio, tanto o próprio espaço, como as pessoas que os frequentam. Como se pode mudar isto? O que é preciso fazer para mudar isto?

Micro e macroagressões contra nós acontecem sempre. São séculos de discurso opressor, séculos de violência. Se só agora, há relativamente poucas décadas, é que temos uma "matriz legal" que nos protege, é muito complicado conseguir passar isso para a vivência diária, principalmente quando não são crimes isolados num contexto específico. Vai das nossas casas aos hospitais. A melhor maneira, a maneira mais pacífica, talvez a maneira também mais idílica, é mesmo educar melhor as gerações mais novas e as futuras, esperar que as velhas opressoras morram, e rezar para que se consiga viver fora do sufoco. Ou começa-se a exigir, cada vez mais, que a justiça seja, efetivamente, justa connosco, e que as autoridades que outrora e agora nunca estiveram do nosso lado, ajam em conformidade com a constituição que supostamente nos protege.

                                  

Muita gente pensa que existirem espaços noturnos exclusivamente LGBT é o equivalente a existirem espaços exclusivamente heterossexuais. Esta ideia precisa de ser desmistificada. Porque é que não é a mesma coisa?

Porque todos os espaços existentes que não se considerem "heterossexuais" são heterossexuais à partida. A maneira como os discursos normativos estão construídos é a velha "inocente até o contrário", ou seja, são sempre normativos (hétero, cis, brancos) até de alguma forma se comprove que não o são. Haver espaços noturnos exclusivamente LGBTI+ é uma questão de segurança, porque ela simplesmente não existe nos outros. Haver espaços exclusivamente heterocisnormativos na noite é uma questão de privilégio e de opressão. É uma equivalência falsa. Historicamente foi na noite que muitos de nós conseguiram viver abertamente, dado que de dia éramos mortos. A balança não pesa para o mesmo lado.

Portanto, a teu ver, a existência desses espaços não só é urgente, como necessária, certo?

Absolutamente.

E agora falando um pouco sobre o teu trabalho. Quando é que começaste a participar em queer parties?

A minha primeira festa foi uma Fora do Armário cá em Coimbra. Antes disso vivia em Chaves, onde definitivamente a ideia de haver uma festa queer era impensável - e perigosíssimo. Depois disso, foi uma questão de tempo até me começar a envolver mais nas mesmas - aliás, aprendi a ser DJ precisamente para o fazer em festas queer, mas nos meus próprios termos. Já lá vão uns bons 5 a 6 anos, entre nome próprio, em duos, em drag, dentro e fora de Coimbra, etc. Já o fiz de noite e já o fiz de dia.

E enquanto Drag Queen? Quando começaste, o que te atraiu?

A Magda começou como uma personagem para uma performance, e depois como uma desculpa para poder fazer drag shows. De facto sempre tive, desde que conheci a arte de fazer drag - a construção, a performance, a política. É muito apelativo. As conversas que se têm, e a confirmação de muitas coisas que se pregam por aí, também é muito aliciante. Mas fora disso, talvez o que me atraiu mais foi poder, de uma forma mais profunda, celebrar a cultura queer usando algo ao qual fora dela me dá muita disforia, o meu próprio corpo.


Achas que a Cultura Drag é valorizada em Portugal? Porquê?

Depende. Ela valorizada é - se considerares exclusivamente Lisboa (e de certa maneira o Porto) como os seus polos. Ou, se considerares a nível mediático, sim, devia ser mais valorizada.

Com a pandemia, imensas festas e festivais queer são cancelados. Isso envolve as Marchas LGBT em todo o país, o Arraial Pride em Lisboa... Que impacto achas que terá para a Comunidade LGBT, sendo que Junho é um mês tão importante para a mesma?

Não é terá, tem. É o retorno ao perigo constante. Parece muito egoísta de pensar que esses eventos são os que nos permitem existir livremente, mas de certa forma, estamos dependentes deles para viver - eles não existirem implicam o "retorno ao armário" de muitos de nós. Sem as redes sociais e outras plataformas de comunicação seria muito complicado sequer existir - muito mais do que é agora.

O que é que se pode fazer mais, em termos de espaços noturnos, discotecas, festas, etc., tudo o que se refere ao entretenimento, no fundo, para que a comunidade LGBT se sinta num safe space?

Compreender que um espaço só é seguro se nós, coletivamente, conseguirmos assegurar essa segurança. Não podemos depender dos donos dos espaços, nem das forças de segurança, apenas de nós próprios - e isto passa também muito por compreender que mesmo dentro da comunidade existe opressão e normatividade, e consistentemente tentar acabar com ela. Isto implica que se compreenda que ou estamos todes ou não está ninguém segure, e que temos de ser uns para os outres. Não faz sentido querer um espaço seguro e ser misógino, transfóbico, racista. Ou é para toda a gente ou não é para ninguém.



Comentários