Viver com PTSD - Entrevista

João (nome fictício) tem 28 anos e sofre de PTSD (Post-Traumatic Stress Disorder – Perturbação de Stress Pós-Traumático). A perturbação pode surgir após um evento traumático, e pode assumir diferentes formas. Atualmente, de acordo com a OMS, este é um dos transtornos psicológicos mais comuns no mundo.


Há quanto tempo sofres de PTSD? Como e quando foste diagnosticado?

Sofro de PTSD desde 2003, desde os meus 11 anos. Estou diagnosticado desde 2014. Resolvi ir a uma psicóloga, que é a minha atual psicóloga, e no decorrer das consultas ela percebeu que os meus problemas de ansiedade e depressão, tinham a ver com PTSD. E pediu a um colega psiquiatra para me fazer uma série de testes e uma série de consultas, onde concluíram que eu de facto tinha PTSD. Mas que se eu preferisse, por uma questão de facilidade em arranjar alguns trabalhos, em fazer algumas coisas na vida, não me oficializariam o diagnóstico como PTSD. 


Como reagiste ao diagnóstico?

Foi complicado. Inicialmente tinha medo que tivesse que ficar em ficha médica, ou em algum papel. Enfim, é Portugal… Todo e qualquer diagnóstico de doença mental vai dar problemas muito grandes. Mesmo que a sociedade diga que é okay, que está integrado e que as pessoas podem ter problemas mentais e que isso não é um impedimento no emprego, isso não é verdade! É um impedimento, e vai continuar a ser durante bastante tempo. Não há nada que possamos fazer em relação a isso, pelo menos para já.

Depois, foi um certo estranhar, porque eu percebia que havia qualquer coisa que se passava, mas não sabia o que era. Quando tive o nome, a minha reação foi um pouco “okay… então eu tenho a doença dos soldados…”. Foi um bocadinho a minha piada. Eventualmente, foi uma questão de aceitação. Não é fácil a pessoa perceber “okay, tenho um problema mental e não há grande cura ou grande apoio que eu possa vir a ter”, mas mais vale saber, do que não.


Que evento de despoletou a perturbação?

Eu já fiz mais ou menos as pazes com isto. Estive cercado num incêndio durante dois dias. Um daqueles incêndios de verão, que se ouve falar bastante nas notícias, em que aldeias são cercadas. Só que ao contrário do que acontece agora, em que o pessoal é evacuado, na altura ninguém foi evacuado. Foram dois dias de um incêndio que quando nos chegou já tinha três dias e que ainda durou um dia depois disto. Foi grave. Toda a situação do incêndio, todo o medo que aquilo gerou, todo o pânico instalado… Eu morava numa aldeia que tinha 150 pessoas na altura, e ver adultos, pessoas que tu conheces, que como criança, pensas que se vão a aguentar, a entrarem completamente em pânico… Veres a possibilidade de, de facto, morreres…

O primeiro dia foi pior que o segundo, mas o segundo também foi assustador. Já não estávamos cercados, mas ainda havia focos de chama ativos, mas a frente de incêndio já tinha passado.

Na altura, a organização da Proteção Civil era diferente, e quem nós tínhamos para nos proteger era o Exército. Sem brincadeiras, ajudámos o Exército a apagar o incêndio no segundo dia.

De que forma este problema costuma manifestar-se em ti?

Essencialmente, tenho ataques de pânico no verão quando há incêndios. Mas apesar de tudo, eu consigo trabalhar. Se for perto da minha zona, ou da zona onde ainda está a minha família, é um bocadinho mais complicado e bloqueio bastante. Chego a ter dias que não consigo sair da cama. Têm que me dar comida, se não, não como. Sigo freneticamente as notícias e sou um bocadinho paranoico com questões de segurança de incêndios em casa. Tenho dois extintores em casa. Tenho um na cozinha e um no escritório. Sei usar extintores, tenho uma série de planos para questões de incêndios. Mas o pior é mesmo os ataques de pânico assim que o calor e os incêndios começam. Quanto mais calor está, mais grave se torna, porque também maior é o risco de incêndio. E tenho pesadelos com o acontecimento, às vezes.

Como lidas com isso no teu dia a dia?

Tenho uma estratégia que a minha psicóloga me deu, que passa basicamente por uma questão de ter calma, e tem uma série de check lists que eu vou fazendo e vou escrevendo, e que me ajudam a quebrar um bocadinho o ciclo do pensamento. Para as alturas em que isto é impossível, tentei calmantes, mas não gostei do efeito – é uma pedrada no mau sentido, e aquilo mata-me demasiado o cérebro, não gostei. Além disto, tenho uma série de pequenas estratégias para coisas mais simples, antes de chegar ao ponto extremo que a minha psicóloga me deu para ir aplicando, e funcionam para garantir que não vai ser tão gravoso.

E que estratégias são essas?

Uma delas é, se for um verão particularmente quente, por exemplo, cortar diretamente com a visualização de noticias, para não me preocupar tanto com o assunto. Também manter sempre a boca minimamente húmida para ajudar a aliviar os sintomas de stress – aquilo permite enganar o teu corpo e fazê-lo pensar que a coisa não está assim tão má como está. Existe também a possibilidade de ir para uma zona com ar condicionado e manter-me lá durante algum tempo.

Sentes que ter PTSD te afeta na vida pessoal, profissional e amorosa? Como?

Sim. Isto afeta a minha vida em vários planos. Em termos pessoais, afeta porque me causa uma série de ansiedades e uma série de stresses durante uma parte do ano, o que me impede de usufruir, quer do verão, quer de trabalhar, se for uma questão de ter de o fazer. Não é fácil.

Em relação à minha vida amorosa, é uma questão em que, durante uma relação, é por vezes um pouco pesado. Eu gosto sempre de falar com a pessoa com quem estou sobre estas questões, mas nem sempre é bem aceite, e é uma coisa que eu tenho que me preocupar, se a pessoa vai aceitar, qual vai ser a reação… E se a pessoa percebe que eu não quero uma mãe, eu não quero uma pessoa que tome conta de mim, mas ao mesmo tempo, vai haver uma altura em que eu não vou estar bem.

A teu ver, os profissionais de saúde estão preparados para lidar com casos como o teu? Porquê?

Os profissionais da área da psicologia estão preparados. Penso que, no meu caso, tive sorte. O meu acompanhamento psicológico sempre foi okay. Em termos de profissionais de saúde física, depende, quer da formação, quer da mentalidade. Há malta mais nova que e está mais aberta a estas coisas, que tenta compreender, acompanhar e que percebe que é preciso mandar para quem percebe. Penso que o sítio onde a pessoa foi formada tem bastante importância.

Que mensagem gostarias de deixar a pessoas recém diagnosticadas com PTSD?

Ao princípio é difícil, ao princípio é estranho. Há níveis de PTSD muito piores que o meu e, nesse caso, não sei bem o que dizer à pessoa. É um caso muito pior que o meu, no sentido em que a pessoa pode ter graves problemas e não consegue manter uma vida funcional… Não sei mesmo o que dizer. No caso de um PTSD em que consegues ter uma vida funcional, mas existem problemas que te despoletam algumas ações… Vai acontecer e nem sempre vai ser muito óbvio porque é que vais ter pânico, ou ansiedade. Mas vai-se tornando mais habitual saberes lidar com isso e o acompanhamento psicológico é muito importante. Manter sempre aquele contacto, as consultas regulares. Ter atenção às estratégias e ver quais são as que funcionam. Saber o que fazer no momento torna tudo possível de ultrapassar, não mais fácil. Com o tempo a pessoa consegue perceber o que fazer e sabe como lidar com certas situações.






Comentários