Bissexualidade - Da invisibilidade à fetichização - Carolina Duarte de Jesus - Entrevista

 Carolina Duarte de Jesus tem 27 anos e é uma mulher feminista. Noiva de um homem cis-hétero, a Carolina assumiu-se bissexual aos 24 anos. Nesta entrevista falamos sobre fetichização de pessoas bissexuais, e o apagamento da bissexualidade no seio da Comunidade LGBTQIA+.

Alguma vez usaste dating apps? Como foi a tua experiência enquanto mulher bissexual?

Sim, usei várias vezes o Tinder, por razões diferentes. Já usei para tentar encontrar toda a gente, ou a excluir homens. Para ser honesta raramente usei com a opção "homens", porque quando usei era estudante e é fácil de encontrar pessoas do sexo oposto, por um lado. Por outro, estás inundada de homens e quase nunca consegues ver mais ninguém... Tive comentários óbvios de "ah és bi, hmm gostava de ver isso em ação" e cenas dessas. Mas não posso falar muito dessa experiência porque tive pouco. Agora! Sem a opção homem: É muito frustrante porque 1) Quase metade dos perfis são na realidade couples à procura de alguém para lhes "apimentar a vida sexual" ; 2) Ninguém responde às mensagens, é muito complicado (um bocado o oposto de com homens) Mas! Tinha chegado a conhecer uma rapariga, com quem no final não deu nada.

Então no Tinder sentiste uma certa fetichização por seres uma mulher bissexual, é isso?

Sim, claramente. Por parte de homens cis, e por parte de couples.

De facto, acontece muitas vezes as mulheres bissexuais serem fetichizadas, tanto por homens hétero, como por casais, dentro ou fora das dating apps. Como é que isso te faz sentir?

Hmmm sinto-me objetificada, mas de maneira diferente. Não sei se faz sentido, mas homens objetificam as mulheres sempre, e em montes de contextos. Com os casais sinto-me pior porque sinto-me literalmente como um objeto, pelo facto de "servir a apimentar" uma relação sexual, como se fosse um sex toy. Mas em todos os casos penso que objetificada seja o maior sentimento. Também há outros sentimentos de invalidação, pela ideia que transmite que a minha sexualidade serve para os outros (tanto homens como casais).

Alguma vez sentiste o julgamento do "you're too straight to be gay and too gay to be straight"? 

Senti imenso imenso, imenso, ao longo da minha vida o "you're too straight to be gay". Devido a como me visto e ao meu estilo, no geral, pelo facto de nunca ter estado numa relação séria com uma mulher... Aliás isso provoca em mim um sentimento de querer fazer o inverso e basically "andar a gritar por aí" que sou bi e que gosto de mulheres haha.

Enquanto mulher bissexual a namorar com um homem cis-hétero, muito provavelmente passas por heterossexual algumas vezes. Isso incomoda-te? Achas que contribuiu para a tua invisibilização enquanto bissexual?

Incomoda, porque realmente contribui para essa invisibilização. Óbvio que não temos de andar todos aí com a nossa sexualidade escrita na testa, mas penso que é mais complicado do que isso para os bis, porque muito depressa ficamos invisibilizados, quer estejamos em relação que parece hétero, ou em relação que pareça "gay". E eu não sou nem um, nem o outro. Não me identifico com a cultura heterossexual.

Alguma vez sentiste que era mais fácil dizeres que eras hétero ou lésbica?

Sentir que é mais fácil, sim. Fazê-lo? Só por omissão. Mas precisamente por causa da invisibilidade que causa e do quento eu sofri por isso, se tinha de dizer que sou bi, sempre disse.

No que se refere à Comunidade LGBTQIA+, sentes que as pessoas bissexuais são invisibilizadas dentro da mesma? Porquê?

Sim e pelas mesmas razões. O que eu acho extremamente irónico. Ou too gay, ou not gay enough. Se estamos em relação "hétero" então... Pfiou. Não temos direito de mencionar o nosso parceiro. Quase não temos direito de o levar a espaços LGBTQIA+. E posso entender: claro que há espaços onde não se querem cishet men! 100%. Mas há vezes onde queres partilhar essa parte de ti (porque fazes parto da comunidade) com a pessoa com quem estás, sei lá, em Prides. Vivo mais essa invisibilização no espaço LGBTQIA+, do que no resto da sociedade.

Quando uma pessoa se descobre bissexual, essa descoberta por vezes acaba por gerar dúvidas e tornar-se algo confusa para a própria pessoa. Mas as pessoas bissexuais têm o rótulo de "confusas" já socialmente imposto. Alguma vez to disseram? 

Hmmm não me disseram “confusa”. Já me disseram que não, eu não era bissexual lol, não só de "passagem", tipo "amigos" que descobriram, mas também a primeira pessoa a quem eu come out, que era o meu namorado da época, e que me fez stay in the closet e... No fundo, confusa. Não tive a certeza da minha bissexualidade durante mais de 2 anos.

A teu ver, que conquistas faltam ainda às pessoas bissexuais?

Ser aceite em todos os espaços (hétero, bis), ser aceite quando se está com um homem, ser aceite quando se está com uma mulher, ser aceite quando se está com uma pessoa trans. Ser realmente aceite, não só tolerado! Ser aceite sem os preconceitos que há sobre nós, sem ter de estar sempre a dar provas da nossa bissexualidade, ao ter de dar a nossa lista de relações sexuais. Não é um combate específico, mas penso que seja o objetivo final.

Se tivesses oportunidade de deixar uma mensagem a todas as pessoas que ao longo da tua vida questionaram a tua orientação sexual - ou mesmo que não respeitaram a de outras pessoas bissexuais - o que dirias?

Hmmm. Pergunta difícil. Primeira coisa que me veio à cabeça foi "F U" haha. Segunda foi... Nada. Porque sinceramente não tenho interesse em ter pessoas assim na minha vida - para os que não mudam de opinião. Mas penso que o que diria realmente seria o que digo sempre, em geral na vida: Aceita toda a gente. Mesmo que não percebas. Mesmo que seja confuso para ti. Se as pessoas ao serem quem são, ao fazerem o que fazem, não fazem mal a ninguém e não te afeta minimamente: aceita e respeita. A sério que não é difícil.






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