Marta Guerreiro - Feminista, Ativista, Escritora, Ilustradora - Entrevista

Marta Guerreiro é uma mulher lésbica, casada. Feminista, ativista, escritora, ilustradora e jornalista – a Marta é tanta coisa, que ficamos com vontade de querer saber tudo sobre ela. Abraçou o Feminismo aos 16 anos. Mudou-se para Londres em 2014. Recentemente, publicou o livro Amor (Im)próprio, e presenteia-nos quase todos os dias com ilustrações maravilhosas.



Com que idade começaste a perceber que o feminismo era necessário na tua vida, e porquê?

Aos 16 anos comecei a interessar-me por arte feminista. No fundo, imagens correntes que tinham uma mensagem na base da igualdade. Aqui ainda não lhe dava um nome, nem a esta arte nem a mim. Eventualmente, ao continuar com este tipo de partilhas em redes sociais (na altura no Facebook) começaram a surgir pessoas a dar nomes a esta igualdade que tanto me fazia sentido. O feminismo surge assim na minha vida, sem me aperceber. A partir daí comecei a querer conhecer a teoria. Eventualmente dei por mim a não só ter interesse em arte feminista, mas no feminismo enquanto movimento político.


Pergunta difícil: como tem sido a tua vida enquanto mulher lésbica até agora? Que principais desafios é obstáculos enfrentaste ao longo dos anos?

A minha vida enquanto mulher lésbica, na esfera mais pessoal, ou seja, na minha casa, no social com pessoas amigas, é uma vida comum em que ser lésbica não tem impacto. No entanto, a minha vida fora desta bolha confortável, acaba a ser condicionada. Quando vou viajar com uma parceira, tenho que ter cuidado para que países é que vou, se posso ou não andar de mão dada, se posso ou não ser agredida com base na leitura que fazem da nossa relação. A uma escala diferente, o mesmo acontece em Portugal ou no Reino Unido, onde moro. Quando vamos sair à noite escolhemos espaços LGBT friendly, porque já aconteceu várias vezes estarmos num bar ou discoteca, perceberem que sou lésbica/somos um casal lésbico, e acharem que isso era convidativo a propostas sexuais. Existe sempre receio de andarmos de mãos dadas na rua durante a noite, por exemplo.

A todos estes medos sociais, acresce a falta de apoios legais. Somos muitas vezes descredibilizadas. A saúde pública é por exemplo muito demorada na questão da inseminação artificial. Os documentos legais tanto comuns como direcionados a figuras parentais, não dão visibilidade a famílias se não pai + mãe. No fundo existem muitas condicionantes: segurança, legislação, proteção, informação, visibilidade, fetichização.





A combinação mulher lésbica & emigrante, que impacto tem na tua vida? É uma junção que faz com que te sintas mais descriminada e sintas mais dificuldades?

Antes pelo contrário, ter emigrado tirou algum peso dos meus ombros. No fundo existe sempre aquele receio de quem é que nos vai ver e a fazer o que (com isto não me refiro a nada extraordinário, mas até mesmo coisas simples, como andar de mão dada). Viver no país onde cresci e onde conheço tantas pessoas, oprimia um bocadinho alguma da minha liberdade. Emigrar trouxe a possibilidade de me sentir totalmente livre para viver as minhas relações e construir uma casa/bolha de pessoas chegadas, que tivessem como base o respeito e a aceitação.


O que ainda há para fazer nos direitos das mulheres e de pessoas LGBTQIA+?

Uiiiiii. Socorro! Bom, a igualdade de género está longe de ser uma coisa conquistada. A nível legal existem melhorias (se não nos metermos em aVenturas), mas a nível social há MUITO para desconstruir. É preciso, sobretudo, criar espaço para as mulheres falarem. Na política. No desporto. Nós negócios. Em todas as esferas. É preciso incluir mulheres (ponto). É também urgente começar a educar as gerações mais jovens para a igualdade. Entre marido e mulher não se mete a colher? Isso é para acabar. Os provérbios patriarcais. O vocabulário machista. A contínua culpabilização da vítima de abuso sexual, da vítima de violência doméstica... A lista é tão extensa, infelizmente. Há tanto a ser feito.




Relativamente aos direitos das pessoas LGBTQIA+ - também é tão difícil definir coisas. Começo por dizer que tudo o que é documento legal, formulário, requerimento ou que raio, precisa de ser inclusivo. Não binarismo. Famílias de duas mães. Famílias de dois pais. Atenção, ainda nem estou a pedir família de várias mães ou pais, tal não é o percurso que ainda temos que percorrer. Outra coisa crucial, a rapidez com que a saúde publica responde a pessoas em espera para transição de género ou início da transição. É uma vergonha. As listas de espera são de anos e muitas destas pessoas dependem da transição para deixarem de sentir disforia, para melhorarem a qualidade de vida e de saúde mental... Se eu tivesse que escolher uma e só uma coisa para se fazer JÁ, começaria exatamente pela resposta mais rápida da saúde pública a questões de género e transição.


Fala-me um pouco do teu trabalho. Quando começaste a escrever? Qual foi o teu primeiro livro e sobre o que falava e o que te inspirou para o escreveres?

Curiosamente não gosto muito da experiência do meu primeiro livro. Bom, já começo a aceitar... O meu primeiro livro, 1001 Cores, foi publicado tinha eu 14 anos. É uma ficção quase biográfica. Tenho uma irmã com paralisia cerebral profunda e nesse livro viajo no tempo e tenho que decidir se faço algo para alterar o rumo que as coisas levaram, ou seja, se decido avisar a minha mãe a tempo e assim prevenir a paralisia da minha mana. A inspiração... Hoje em dia consigo entender que deviam ser questões muito grandes dentro de mim, ainda que eu não tivesse essa consciência e que escrever sobre elas me ajudou a desconstruir o que guardava cá dentro.



Que mais livros publicaste?

Publiquei outro aos 16 anos, Amores Rápidos e fiz parte de uma coletânea de novos poetas, Palavras Nossas, também aos 16 anos.


Fala-me um pouco do teu livro mais recente, Amor (Im)próprio. O que podemos encontrar nele?


Essa criaaa, bebé da mãe! Amor (Im)próprio reúne poesia e prosa. Fala de sexo, saúde mental, amor, poliamor, relações familiares.. No fundo é a reunião da minha vida, do que sou, do que vejo a acontecer. Passa pela religião, pela política e até mesmo pela ciência. É uma escrita muito poética, mas que aborda assuntos muito concretos. Além de tudo isto, traz ilustrações que eu criei. Desenhos de vulvas, de pessoas não-binárias, de estrias e corpos não normativos... É quase que a minha casa num livro.


Que papel tem a escrita no teu ativismo?

A escrita representa o que sou. Quase tipo, escrevo, logo existo, sabes? Portanto é-me impossível não juntar as duas coisas. O ativismo é estilo a minha fé. A minha fé na humanidade. Na mudança. Na igualdade. Em vez de ter fé num Deus, tenho nas ações sociais. A escrita é a minha alma. Alma e fé...Como não?


E agora especificamente sobre as tuas ilustrações. Que mensagens passas através delas?

Ai, boa questão. A ilustração é algo recente na minha vida e ainda estou a tentar entender qual é o meu papel aqui e de que forma é que a nossa relação funciona. As minhas ilustrações continuam a ser de foco activista (artivista) e com o intuito de dar visibilidade a várias temáticas, mas ainda não tenho um estilo que considere meu.





Onde e como podemos aceder ao teu trabalho?

O meu trabalho é diariamente divulgado no meu Instagram (@martaguerreiroficial). Na minha página do Instagram ainda conseguem aceder à minha loja online ontem têm coisas mega fofas, tipo, caneconas (yup, canecas com vaginas!) O livro Amor (Im)próprio está para venda a mim diretamente ou no site da Chiado, está na Fnac, Wook (portanto livrarias habituais).


Que mensagem gostarias de deixar a ativistas e pessoas LGBTQIA+ que vão enfrentando dificuldades no dia a dia?



Somos pessoas antes de sermos ativistas, portanto o nosso ativismo pode e deve ser colocado em pausa se estiver a interferir diretamente com o nosso bem-estar. Alguém estará na linha da frente enquanto não nos podermos juntar e devemos sempre focar no que precisamos a título individual. A revolução não espera, mas também não se faz em cacos. Muita força. Muitas respirações profundas. Terapia se necessário. You do you. First!

Malta LGBT - isto é muito relativo. Estão mal interiormente? Estão mal por não estarem em segurança? Não sei bem que dizer especificamente. O que no entanto se aplica a tudo é: procurem pessoas que vos aceitem como são. Escolham pessoas que vivam na base do respeito, para terem perto. Não tenham medo de pedir ajuda quer seja a familiares, pessoas amigas ou mesmo associações como a Amplos, APF ou a Rede ex aequo.


E se pudesses falar com a Marta de há 10 anos, o que dirias?

Fofa, psicólogo já! Tirando essa parte, quero avisar-te que sempre que achares que sabes quem és, o que queres, o que te deixa feliz, passado uns anos tudo muda e é ok. Portanto agarra o modelo de felicidade de cada capítulo e não fiques triste quando a felicidade ganhar outros contornos. Btw: a arte que andas a partilhar na net é arte feminista, só saberias para o ano e assim poupo-te um ano sem conheceres o feminismo 🌼


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