Não sou a minha depressão



“Não sou a minha depressão” – “Não sou a minha ansiedade” – “Não sou os meus ataques de pânico”. Sinto necessidade de repetir isto para mim, vezes e vezes sem conta, mas resulta. É nas alturas em que o faço que sei que existe uma Filipa – eu, integra, a minha personalidade -, e existe *outra* Filipa que é tantas vezes afetada por estes monstros. A Filipa melancólica, ansiosa, agressiva. Essa não sou eu – mas tive de aceitá-la na minha vida, para poder tratar dela.

Nestes dias regressei ao trabalho, e senti um limbo, uma linha ténue entre as duas. Na verdade, foram substituídas pela Filipa apática, encharcada em comprimidos e com as pupilas dilatadas, mas que sabe que, de dia para dia, vai melhorar. Esta é a Filipa que sabe que eu não sou uma depressão. E sabe que as pessoas que a rodeiam sabem o mesmo, sentem o mesmo.

Gostava que houvesse um manual infalível sobre como lidar com pessoas com depressão, mas ele não existe – e duvido que algum dia vá existir. Há dias em que nem eu própria sei lidar comigo. Há dias em que eu não sei como é que quero que os outros lidem comigo. Mas nestes dias em que voltei a trabalhar, em que peguei na Filipa apática, encharcada em comprimidos, e na Filipa que estava decidida que a depressão não é a sua identidade, senti que os outros gostavam de me perceber. Estavam curiosos e confusos. De pé atrás. Como é que se lida com alguém que teve 20 dias de baixa por estar no fundo do poço?

Sabem quando alguém que nos é próximo perde um parente, e nós queremos dar aquela palmada no ombro, dizer que estamos lá, mas sabemos que, ao mesmo tempo, a morte desse parente, não vai mudar a personalidade desse alguém que nos é próximo – e é por isso que nos é tão difícil lidar com ele?

Eu não sou a minha depressão, mas como é que se lida comigo? No meu regresso ao trabalho, senti-me a pessoa que tinha perdido um parente próximo, rodeada das pessoas que têm a máxima consideração por mim, que sabem que eu não sou a minha doença, mas que na verdade não sabiam o que me dizer.

E isto foi um misto de ingenuidade, bondade, vontade de me ver bem – e foi bom, de verdade. Gratificante, até. As palmadinhas nas costas, o “que bom que tu voltaste”, o “estás melhor?”, ou “fala comigo se precisares”. Eu voltei, mas o monstro da depressão voltou comigo. Está comigo, trabalha comigo e dorme comigo. Mas aos poucos, a Filipa que sabe que somos separadas, vai agir. E por isso sim, estou melhor. E não sei o que posso eu, Filipa, falar sobre a minha depressão. Porque ela não sou eu. E porque tudo o que vou conseguido falar sobre ela está aqui. Ou pode estar numa conversa a acompanhar um café

Regressar ao trabalho deu-me um sentimento misto sobre isto. Eu não sou ela, mas ela dá cabo de mim, todos os dias. Mas acredito que seja cada vez menos.

Em breve, deixará de tomar conta de mim. Neste momento, sinto-a como um pequeno monstro agarrado às minhas pernas enquanto caminho. Mas vou deixá-la para trás.

Comentários