“Filha, nunca largues o teu copo”.
Perdi a conta das vezes que ouvi isto da boca do meu pai e da minha mãe quando
saia à noite. Queriam proteger-me, porque sou mulher.
E porque sou mulher sou
vulnerável. Nunca podia largar o meu copo. Porque podiam drogar-me. Podiam
violar-me. Porque sou mulher.
Homens também são violados,
abusados. Mas se eu fosse um homem, talvez eu ouvisse só um “diverte-te e não
bebas muito”, antes de sair de casa.
Porque esta sociedade é uma
merda. Mas culpa não é do meu pai, nem da minha mãe. Fizeram bem em
proteger-me, em alertar-me. Nunca larguei o meu copo. E tu, homem cis hetero?
Nunca tive esse privilégio de ouvir
só um “diverte-te”. Quando comecei a sair, sempre me alertavam para não beber
muito. Mas não era para proteger o meu fígado. Era para proteger o meu corpo. A
minha integridade. Para não ser violada. Porque se fosse, a culpa era minha,
estava bêbeda. E tu, homem cis hetero cego com o teu privilégio? Tens medo de
ser assaltado quando sais à noite?
Pois tomara eu que ser assaltada
fosse o pior que me pudesse acontecer. Porque se beber a culpa é minha, estava
a pedi-las, estava bêbeda. Mas tu não. Tu podes. Tu és o maior. Tu tens esse
privilégio.
“Diverte-te”, ouves tu quando
sais.
“Nunca largues o copo”, ouvia eu.
Alguém postou no Facebook que uma
mulher bêbeda não pode dar consentimento para sexo. Um homem bêbedo também não.
Mas a culpa é sempre da mulher. Bebeu de mais, não bebesse, não é, homem cis
hetero?
Mas o homem cis hetero foi lá e, no auge do seu privilégio,
comentou. Falou o rei. O senhor. Negou a noção de consentimento. Mas disse que
violação era horrível. Mas negou a noção de consentimento.
Mas tu, homem cis hetero, enquanto negas essa noção, eu não
largo o meu copo. Porque se for violada a culpa é minha. Estava a pedi-las.
Nunca é tua.
O teu privilégio cega-te. Tu achas que podes dar
consentimento bêbedo. Porque o pior que te aconteceu foi teres gasto 10 euros a
mais do que querias naquela noitada.
E eu, homem cis hetero, eu não quero imaginar o pior que me
possa acontecer. E por isso nunca largo o meu copo.
tão isto... obrigada pelas palavras, Filipa.
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